O Culto à Santíssima Virgem e o seu papel no Plano da Salvação-07



Imaculada

Nós católicos afirmamos, em correspondência com a saudação angélica, que a Virgem Maria foi preservada por Deus de toda e qualquer mancha de pecado. Vimos que somente assim ela poderia se adequar ao referido por Gabriel. Os protestantes, porém, afirmam que isto contradiz a afirmação paulina de que "todos pecaram". (Rm 3,23)

Note primeiramente que fazendo a interpretação protestantes, teríamos de incluir aí o próprio Jesus, uma vez que Ele, sendo alguém, deveria ser naturalmente incluído no conjunto do "todos".

Em segundo lugar, o que dizer das crianças não nascidas, ou mortas na infância, como no caso dos assassinados por Herodes? Mas aqui já há que se fazer uma distinção: Paulo está falando dos pecados pessoais - cometidos ativamente -, ou do pecado original? Na verdade, ambos estão implicados, pois o pecado pessoal só é feito tão facilmente porque há o desejo anterior, a concupiscência, que é efeito do pecado original. Assim, não é possível ter este desejo - que a teologia chama "fomes" - e abster-se sempre do pecado. Uma vez que todos nascem com o pecado original e, consequentemente, com a inclinação perversa ao pecado, todos pecarão. É sobretudo desta possibilidade que fala São Paulo, mais do que dos pecados individuais e concretos. A afirmação é uma estimativa genérica, e não um pronunciamento sobre os casos isolados. Quando aplicamos isto a Maria, concluímos facilmente o seguinte: Maria pecaria como todos os demais se Deus não a tivesse preservado. Assim, ela não contradiz o dito pelo Apóstolo, uma vez que este dito referia-se a uma lei proveniente da Queda.

E aqui passamos a uma segunda distinção: Sto Tomás de Aquino ensina que Deus pode agir sobre uma pessoa de dois modos: um curativo e outro preservativo. No primeiro modo, o mais comum, Ele regenera a pessoa por meio da Sua graça, santificando-a posteriormente, o que implica a necessidade da conversão. Mas Deus, que está fora do tempo - lembremos! - pode também preservar antecipadamente alguém. Um exemplo corriqueiro é o que os protestantes chamam de "livramento". O que é isto senão a intervenção prévia de Deus que, embora pudesse curar a pessoa depois do evento, prefere salvá-la antecipadamente?

Assim ocorreu com Maria. A fonte mesma da Graça é a Redenção, isto é, o Sacrifício de Jesus na Cruz. É daí que saem os raios da misericórdia que nos concedem a possibilidade da Salvação. É daí que sai a força que nos perdoa os pecados. Também no caso de Maria é assim. O fato de ter sido preservada do pecado é um efeito antecipado da Cruz. Como diziam os Santos Padres, Maria é como a aurora que, embora venha antes do sol, é na verdade produzida por ele. Deus poderia fazer isso se quisesse? Poderia, tanto que fez.

Mas existe ainda uma espécie de "necessidade" para que isto tivesse sido assim.

Jesus é Deus, e como tal totalmente avesso ao pecado. Seria uma impossibilidade metafísica - uma contradição em termos - que Jesus tivesse tido algum tipo de contaminação pessoal com o pecado. Assim, Ele não poderia tê-lo herdado. E no caso absurdo de tê-lo feito, se veria privado da graça e não poderia redimir ninguém.

Se Jesus queria redimir os homens, teria antes de se tornar um deles. Porém, teria de fazê-lo como homem que não herdasse a fraqueza e a desordem do pecado. Iria, no entanto, sofrer as suas consequências, posteriormente, por sua livre escolha, e é precisamente isto que permite o caráter expiatório do Seu Sacrifício. Mas para que tivesse nascido sem pecado, era necessário herdar sua natureza humana de outra natureza humana que já estivesse isenta de pecado. E tal foi o caso de Maria.

Duas objeções surgem aqui:

1º - Se Maria foi sem pecado, então por que sua mãe também não seria, e assim sucessivamente?
2º - Jesus não poderia ter se autopreservado do pecado?

Quanto à primeira, Deus seria obviamente livre para fazer a intervenção em quem Ele bem quisesse. Porém, uma vez que isso apenas era necessário em relação à mãe direta do Messias, e uma vez que apenas Maria recebeu a anunciação de Gabriel chamando-a de "plena da graça divina", depreende-se que apenas Maria recebeu esta graça por livre eleição divina.

Quanto à segunda, há uma impossibilidade lógica. O meio expiatório é o sacrifício da natureza humana de Cristo. Isto é: a Sua morte humana é meio e a Redenção é efeito. Preservar-se a Si mesmo do pecado seria aplicar o efeito sem a causa. Veja que a impossibilidade não é meramente temporal - pois a Virgem foi preservada -, mas lógica. Agir pressupõe existir. A ação redentora pressupõe uma natureza humana sobre a qual ainda não agiu a ação redentora. Assim, o Cristo apenas poderia preservar outra, e não a Si mesmo, diretamente. Se na cabeça do leitor, agora, passa a idéia de que Deus pode tudo e então Ele poderia fazer isso, então o leitor não compreendeu o que dissemos, e então sugerimos repetir a leitura. De fato, a coisa é algo sutil. Dizer que Jesus poderia ter-Se preservado sem mais é o mesmo que dizer que Ele poderia redimir a humanidade apenas querendo, o que faz da Crucificação do Senhor um ato inútil. Este tipo de pensamento é obviamente blasfemo. As coisas não são meramente arbitrárias.

A conclusão a que se chega, portanto, é que, para que o Cristo nascesse sem pecado e pudesse agir redentoramente, era necessário que herdasse Sua natureza humana de uma mulher sem pecado. Necessidade lógica.

Uma outra objeção fica latente: se Jesus não poderia assumir uma natureza com pecado, como Ele pôde assumir os pecados do mundo? Veja: o mesmo Apóstolo que disse que Nosso Senhor se tornou pecado por nós é o mesmo que disse que Ele assumiu a nossa natureza em tudo, menos no pecado. Jesus assumiu sobre si, mas não o fez intrinsecamente. Jesus jamais consentiu no pecado (Hb 4,15). A Sua alma, embora tenha sofrido os efeitos do pecado, nunca comungou com Ele. Ele o tomou sobre si, diz o livro de Isaías. Muito diferente seria herdar o pecado como um movimento interno da natureza, como é o caso de nosotros.


É permitido louvar a Maria?


Outra pergunta que geralmente se faz é se é possível louvar a Maria. Os protestantes negam-no energicamente e, de novo, usam alguns trechos bíblicos para isso.

"Eu sou o Senhor, esse é meu nome, a ninguém cederei minha glória, nem a ídolos minha honra." (Isa 42,8)

"Enquanto ele assim falava, uma mulher levantou a voz do meio do povo e lhe disse: 'Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram! Mas Jesus replicou: 'Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam!" (Lc 11,27-28)

Julgamos que estes dois textos resumem bem os argumentos protestantes. Vejamos um por um.

Quanto ao primeiro, alguns sites católicos gostam de rebatê-lo com outros trechos da Escritura. Jesus, por exemplo, na Sua despedida, na oração sacerdotal, diz ao Pai referindo-Se aos apóstolos:

"Eu lhes dei a glória que me deste" (Jo 17,22)

Nos salmos encontramos este trecho:

"O Senhor dá a graça e a glória. Ele não recusa os seus bens àqueles que caminham na inocência." (Sl 83,12)

Eu, sendo protestante, objetaria o seguinte: temos aqui uma imprecisão semântica. O termo "glória" pode indicar tanto o louvor dado a alguém quanto a salvação. Neste último sentido é que se diz "reino da glória". Assim, o que Deus dá a alguém é o segundo, e não o primeiro. É uma boa objeção - feita não obstante por um católico, para que não se diga que faltamos à sinceridade.

Preferimos respondê-lo do seguinte modo: a primeira coisa a se notar é que Deus está falando contra os ídolos das nações pagãs. Estes ídolos se colocavam como entidades alternativas e competidoras de Deus, o que é obviamente absurdo, visto que só Deus é Deus.

No caso dos santos de Deus, aqueles que são santos justamente porque O amam e participam da Sua natureza, como escreve Pedro, estes serão glorificados na própria glória de Deus. Isto não significa que eles terão alguma espécie de glória própria, mas uma glória derivada que, não obstante, será real. Será uma glória participada. E aqui nos serve a segunda citação-resposta: "Ele não recusa os seus bens àqueles que caminham na inocência." A ressalva de Deus em Isaías diz respeito aos ídolos, e não aos Seus santos. Ademais, Deus não é um carente afetivo preocupado em disputar com outros. Se Ele falou o que falou, isto era pelo próprio bem de Israel, uma vez que Ele não Se sente ameaçado por ídolos e outras entidades, existentes ou não. Entendê-lo literalmente é cair num antropomorfismo pueril, é reduzir Deus ao nível de uma divindade grega, como, ironicamente, às vezes somos acusados de fazer. Daremos já já prova de que o próprio Deus não apenas não Se ofende, como Ele mesmo inspirou o louvor a Maria. Afinal, quem não ficaria contente de ter a sua obra prima louvada? Mas, antes, abordemos o segundo texto:

Os protestantes gostam de ver aqui uma reprimenda do próprio Jesus contra aqueles que querem cultuar Maria. Vejamos os termos que a mulher usa: "Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram!" Os comentadores católicos tendem a ver aqui uma espécie de exaltação a Maria como se ela só o merecesse a despeito de qualquer colaboração, como se fosse objeto inerte. A resposta de Jesus - "Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam!" - enfatiza o aspecto ativo: a bem-aventurança se dá pela observância pessoal, pelo exercício da liberdade humana que voluntariamente adere a Deus. Maria, não obstante tenha sido agraciada por Deus, é colaboradora ativa d'Ele. Seu sim foi plenamente livre. Vemos em Maria uma observadora fiel dos princípios judaicos. Tomada como uma reprimenda, a resposta de Jesus poderia sugerir que Maria não ouve a palavra de Deus e não a observa. Vimos, porém, que isto não faz nenhum sentido, visto que o próprio Deus a agraciou, e que o resultado da graça é a santidade. Assim, longe de preterir Sua mãe, Jesus sugere que o mérito dela não é somente de ser objeto, mas de ser atuante.

Vejamos, então, mais uma vez aquilo que ocorre na sua visita a Isabel. Aqui nós temos a seguinte ordem:

1- Isabel fica cheia do Espírito Santo;
2- Isabel louva Maria nos seguintes termos:

"Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me vem a honra de vir a mim a mãe do meu Senhor? Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio. Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!" (Lc 1,42-45)

A primeira coisa a se perguntar é: isto é ou não um louvor? Isabel a chama bendita. Diz que não tem o merecimento de que a "mãe do meu Senhor" venha a ela, o que, como vimos, a faz associar-se com a Arca da Aliança. Chama-a ainda de Bem-aventurada. Isso tudo não é um louvor? Quando Zacarias louva a Deus (v.68), ele inicia chamando-O de bendito, e isto é suficiente para caracterizar a oração como um louvor. Por que não o seria aqui quando Isabel usa a mesma expressão para com a Mãe do Senhor? Os meus louvores à Virgem Maria tendem a ser muito mais modestos - mea culpa.

Depois, Quem inspirou este louvor? Não foi o próprio Deus? De Quem Isabel estava cheia quando louvou a Maria? Não é permitido louvá-la? Como Deus inspira o que não é permitido?
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