O Culto à Santíssima Virgem e o seu papel no Plano da Salvação-02



Analisemos este trecho. Nele se fala de uma descendência da serpente e de uma descendência da mulher. As duas descendências terão ódio entre si, e este ódio é uma emanação ou herança do ódio entre a serpente e a mulher. A serpente nós já sabemos quem é: é o demônio. E quem seria a mulher? As possibilidades são só três: A Igreja, a mulher enquanto gênero, ou uma mulher específica.

O trecho não pode se referir ao gênero feminino como um todo, pois isto significaria que todos os seres humanos - pois todos são nascidos de mulher - seriam inimigos do demônio, o que não é o caso. Jesus chega a dizer mesmo que alguns são "filhos" do demônio. Além disso, não é a espécie humana em si que vence o demônio, mas uma pessoa bem específica, como sabemos: Jesus.

Uma tradição já antiga viu na mulher um símbolo da Igreja. Embora esta relação seja possível a partir de algumas analogias, ela não pode corresponder-lhe totalmente, pois a mulher aqui tem um papel intrínseco e que não pode ser atribuído à Igreja: ela é mãe do alguém que esmagará a serpente. Sendo que esta pessoa é o Cristo, a mulher referida deve necessariamente ser a mãe do Cristo. Pergunta-se: a Igreja pode ser considerada mãe de Cristo? Parece que não.

Logo, sobra-nos a terceira alternativa: a mulher de que aí se trata não é outra senão Maria. Se o leitor não aceita esta conclusão, reveja as alternativas. Observe se há alguma outra não considerada.

A Virgem Maria então entra na história como "a mulher", e isto explica porque Jesus a chama deste modo em momentos muito específicos: nas Bodas de Caná e na Cruz. E é impressionante observar as relações destes dois eventos com o livro do Gênesis. Vejamos:

A relação entre Gênesis e o Evangelho de João fica evidente já na primeira expressão com que ambos começam: "No princípio". O Gênesis diz: "No princípio, Deus criou o céu e a terra". O Evangelho de João afirma; "No princípio, era o Verbo." Logo depois, o Gênesis afirma como Deus criou a luz (Gn 1,3). João, por sua vez, fala da luz incriada, Jesus, que "era a luz dos homens" e que "resplandece nas trevas" (Jo 1,4-5). O Gênesis diz também que o "Espírito pairava sobre as águas" (Gn 1,2), e é o que vemos de novo em João, no relato do batismo de Jesus (Jo 1,32-33). A primeira criação é o início da realidade material. A segunda criação é o início da vida da graça, simbolizada pelo batismo de Jesus. Estas aproximações entre João e o Gênesis não são, portanto, arbitrárias, mas reais e João sabia o que fazia.

Assim como o Gênesis narra a sucessão de dias até chegar ao sétimo, assim também João o faz. No capítulo 1, versículo 29, João escreve: "no dia seguinte", o que nos leva ao segundo dia, onde se dá o encontro de Jesus com seu primo João Batista. No versículo 5, mais uma vez "no dia seguinte", o terceiro dia, que é o início do chamado dos discípulos. De novo, no versículo 43, "no dia seguinte", quarto dia, quando mais dois discípulos se juntam ao grupo. Daqui, João escreve "no terceiro dia" (1,43), o que nos leva ao sétimo dia, onde ele nos conta sobre as Bodas de Caná, uma festa de casamento. A partir de então João não conta mais os dias. Desse modo, os sete dias de João se relacionam de modo claro com os sete dias do Gênesis. Ou é coincidência demais ou simplesmente não é coincidência.

Estamos aqui no Shabbat, o Sétimo Dia, o Dia da Aliança entre Deus e os homens. Pois bem, é justamente aí a primeira vez em que Jesus chama a Virgem Maria de "Mulher", do mesmo modo como foi no último dia que Adão chamou Eva de "Mulher".

Façamos um adendo aqui: alguém poderia objetar que a correspondência dos dias não funciona, pois no sétimo dia, Deus não fez nada. Assim, Adão teria chamado de mulher a Eva num dos dias anteriores. A isto respondemos do seguinte modo: o livro do Gênesis traz dois relatos da criação. O primeiro, vai de Gn1,1 a Gn 1,31. O outro, vai de Gn 2,4b a Gn 2,24. A contagem dos dias ocorre no primeiro relato, e não no segundo. Neste primeiro relato, Adão e Eva são criados juntos no sexto dia. Porém, no segundo relato, Adão é a primeira coisa que Deus faz depois da criação do Céu e da Terra, e Eva é a última. Lemos em Gn 2,2, que Deus terminou "no sétimo dia a obra que tinha feito", o que nos leva à idéia de que ele tinha feito algo ainda nesse dia. Considerando que o primeiro relato é bastante genérico - pois conta num relance a criação de ambos -, enquanto o segundo é mais detalhado, contando como Adão foi adormecido e, então, Eva foi retirada dele e, em seguida, como foi o seu primeiro encontro, parece-nos que o segundo relato pode ser dito mais descritivo. Assim, a mulher teria sido criada no sábado. Logo, no sétimo dia, exatamente quando Adão a viu pela primeira vez e a chamou "Mulher". Bem, isto é uma possibilidade que nos ocorreu agora. Concluindo esse adendo, façamos outro: o Sábado é, para os católicos, um dia consagrado a Maria. Talvez isso tenha alguma causa providencial com o que acabamos de descrever. Voltemos. Estamos nas Bodas de Caná.

Falta vinho, e Maria vem falar com Jesus: "Eles já não têm vinho", ao que Jesus responde: "Mulher, isto compete a nós? Minha hora ainda não chegou." (Jo 2,3-4)

A primeira coisa a se observar é que a resposta é um tanto estranha, mas muito reveladora.

Por que Jesus a chama de "Mulher"? Não é este um modo estranho de tratar a própria mãe? Será que Jesus não a considerava Sua mãe? Isto não procede, pois o Evangelho de Lucas nos diz que Ele lhe era obediente. (Lc 2,51) Além disso, poderia Ele mesmo negar que pelo fato de ter nascido do seu ventre, era, portanto, segundo a natureza, seu filho? Óbvio que não. Estava, ainda, obrigado pela lei - pois nasceu submisso à lei, conforme diz Paulo (Gl 4,4-5) - a honrar a Sua mãe. E mesmo que não o estivesse, sabemos que Ele, que é Deus mesmo, jamais a desonraria. João mesmo diz várias vezes que ela é mãe de Jesus. Ora, a maternidade é uma qualidade que só existe quando em relação com um filho. Portanto, Jesus era seu filho e ela era Sua mãe. Por que, então, Jesus a chama "Mulher"?

Na genealogia de São Lucas, Jesus é remontado a Adão. Assim, Ele assume o papel de Novo Adão, aquele que será o primeiro da humanidade redimida. Paulo O chama de "segundo Adão" (1Cor 15,45), e o confirma em Rom 5,12-21. Ora, vimos que João relaciona intimamente o seu evangelho com o livro do Gênesis. Vimos também que quando Adão vê Eva pela primeira vez, ele, que nomeava todos os seres, lhe chamou "Mulher". (Gn 2,23) Aqui, numa passagem que revive o Gênesis, Jesus chama a Virgem de "Mulher", relembrando o que Adão fez a Eva. Ora, se Jesus é o Novo-Adão, quem é a Nova-Eva? Maria, obviamente!
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