Jesus Cristo, diz o Apóstolo, era ontem, é hoje e será até ao fim dos séculos. Desde a origem do mundo, era como Deus o princípio da vida das almas justas; a sua humanidade, desde o primeiro instante da Encarnação, participou desta prerrogativa da sua divindade. Opera em nós todo o tempo da nossa vida: o tempo que há-de decorrer até ao fim do mundo não é mais do que um dia, e este dia é um dia cheio de Jesus. Jesus Cristo viveu e vive ainda; começou em si mesmo e continua nos seus santos uma vida que não acabará nunca, ó vida de Jesus que se estende e sobreleva a todos os séculos; vida que em cada momento vai realizando novas atividades. Se o mundo todo não é capaz de compreender tudo o que se poderia escrever da vida de Jesus, do que fez e do que disse sobre a terra; se o evangelho não nos debuxa senão alguns pequenos traços dela; se a primeira hora é tão desconhecida e tão fecunda, quantos evangelhos haveriam de escrever-se para fazer a história de todos os momentos desta vida mística de Jesus Cristo, que multiplica ao infinito as maravilhas e as multiplica eternamente, pois todos os tempos, propriamente falando são apenas a história da ação divina?
O Espírito Santo fez notar, em caracteres infalíveis e incontestáveis, alguns momentos desta vasta duração, é recolheu na Sagrada Escritura algumas gotas deste mar. Aí vemos as maneiras secretas e ignoradas pelas quais fez aparecer Jesus Cristo no mundo e podemos seguir os canais e as veias que, na confusão dos filhos dos homens distinguem a origem, a raça, a genealogia deste primogênito. Todo o Antigo Testamento não é senão um esboço das profundezas imutáveis desta obra divina; não há nele senão o que é necessário para chegar a Jesus Cristo. O Espírito divino guardou tudo o resto escondido nos tesouros da sua sabedoria. E de todo esse oceano da ação divina, não faz senão aparecer um fiozinho de água, que chegando a Jesus se perdeu nos Apóstolos e se abismou no Apocalipse. E assim a história desta divina ação, que consiste em toda a vida que Jesus vive nas almas santas até ao fim dos séculos, não pode ser adivinhada senão pela nossa fé.
À manifestação da verdade de Deus pela palavra, sucedeu a manifestação da sua caridade pela ação. O Espírito Santo continua a obra do Salvador. Ao mesmo tempo que assiste a Igreja na pregação do Evangelho de Jesus Cristo; escreve ele mesmo o seu próprio evangelho e escreve-o nos corações: todas as ações, todos os momentos dos santos são o Evangelho do Espírito Santo. As almas santas são o papel, os seus sofrimentos e ações são a tinta. O Espírito Santo por meio da pena da sua ação escreve um evangelho vivo; mas não se poderá ler senão no dia da glória, em que depois de ter saído dos prelos desta vida será enfim publicado.
Ó história deliciosa! Ó livro encantador que o Espírito Santo está escrevendo atualmente! Ó almas santas! Não há dia em que se não vão compondo as letras, aplicando a tinta, imprimindo as folhas. Mas nós estamos na noite da fé, o papel é mais negro que a tinta, há confusão nos caracteres empregados, é uma língua do outro mundo, não compreendemos nada deste livro. Só no céu o poderemos ler. Se nos fosse dado ver a vida de Deus e considerar todas as criaturas não em si mesmas mas no seu princípio; se pudéssemos ver a vida de Deus em todos os objetos; como a ação divina os move, os combina, os ajunta, os dirige todos para o mesmo fim, por opostos caminhos, reconheceríamos que tudo tem a sua razão de ser, a sua medida, as suas relações nesta divina obra.
Como porém ler este livro, cujos caracteres nos são desconhecidos, inumeráveis, dispostos ao revés e cobertos de tinta? Se a mistura de vinte e quatro letras é incompreensível, de modo que elas bastam para compor uma série infinita de volumes diferentes e todos admiráveis no seu gênero, quem poderá exprimir o que Deus realiza no universo? Quem poderá ler e compreender o sentido de tão vasto livro, no qual não há uma letra que não tenha a sua figura particular e que na sua pequenez não encerre profundos mistérios! E os mistérios não se vêem nem se sentem: são objeto da fé. A fé não julga da sua verdade e da sua bondade senão pelo seu princípio; porque em si mesmos são tão obscuros que todas as suas aparências não servem senão para os esconder, para cegar os que julgam só da razão.
Ó divino Espírito Santo, ensinai-me a ler este livro! Quero tornar-me vosso discípulo, e com a simplicidade duma criancinha, crer o que não posso ver. Basta-me que o meu mestre fale. Ele diz isto, ele fala assim, ajunta as letras deste modo, faz-se ouvir desta maneira; isto me basta para eu crer que é tal qual como Ele disse. Não vejo a razão dessas coisas; mas Ele é a verdade infalível, e tudo o que Ele diz e faz é verdadeiro. Ele quer que essas letras estejam colocadas juntas para formar uma palavra, e que um determinado número de letras forme outra. São três, são seis, isso basta e menos fariam um sentido falso; só Ele, que sabe os pensamentos, pode ajuntar as letras para os escrever. Tudo tem significação, tudo tem sentido perfeito. Esta linha termina aqui, porque assim deve ser; não falta nem uma vírgula, não há um ponto que seja inútil. Assim o creio presentemente; e quando o dia da glória me revelar tantos mistérios, então verei o que agora não compreendo senão confusamente; e o que me parece tão embrulhado, tão complicado, tão falto de sentido, tão falto de nexo, tão imaginário tudo isso me arrebatará, me encantará por toda a eternidade, com a beleza, a ordem, a sabedoria e as incompreensíveis maravilhas que «em tudo descobrirei.
À DIVINA PROVIDÊNCIA
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