Fidelidade ao senhor feudal, fidelidade a Deus




As obrigações morais impostas ao cavaleiro mostram o valor da instituição: combater pela Fé, ser submisso ao suserano, ser fiel à palavra dada, proteger os fracos, as viúvas e os órfãos, combater a injustiça.

Os poetas medievais fizeram a descrição do cavaleiro ideal. Ele deve ser “franco de coração e belo de corpo, generoso, doce, humilde e pouco falador”. 

Reunia as grandes qualidades exigidas dos nobres da época: valentia, generosidade, espírito empreendedor e circunspecção; era retilíneo, austero e puro.

Em qualquer circunstância, o cavaleiro deve defender a Fé. Deste juramento de manter a Fé de Jesus Cristo originou-se o costume de na Missa os cavaleiros desembainharem a espada durante a leitura do Evangelho. Isto significava a disposição de derramar o sangue em defesa da doutrina da Igreja.

Esta magnífica instituição contribuiu muito para o florescimento de uma das virtudes essenciais da época: o senhor deve amar os seus vassalos, e os vassalos devem amar o seu senhor. 

Assim, segundo a expressão de um famoso historiador, “jamais o preceito divino ‘amai-vos uns aos outros’ penetrou de modo tão profundo o coração dos homens”.

Mesmo fora dos limites da Cristandade, corria a fama das extraordinárias virtudes do cavaleiro medieval. 

Em certa ocasião, quando São Luís IX se encontrava prisioneiro dos muçulmanos, um de seus chefes, chamado Octai, pediu a São Luís, sob ameaça, para ser armado cavaleiro. 

Tal era a admiração que os mais ferozes inimigos da Civilização Cristã tinham por tão magnífica instituição.

A fidelidade é a virtude cavalheiresca por excelência, a primeira obrigação do vassalo em relação a seu superior. 

O cavaleiro tem uma obrigação de honra de servir a seu divino Suserano, sem fraqueza nem felonia. Paralelismo sempre perfeito com o direito feudal, com a organização feudal.


Eduardo, o príncipe negro, Príncipe de Gales, 
1453, Bruges Garter Book.
Em troca, “Sire Dieu” se obriga a auxiliar o cavaleiro, protegê-lo com sua graça e, se for preciso, protegê-lo miraculosamente. E nós vemos nas crônicas quantas vezes ocorre a proteção miraculosa de Deus.

O brasão que adotamos para o “Legionário”, depois para o “Catolicismo”, lembra um desses fatos. 

Quando o rei Artur foi combater contra os romanos pagãos que dominavam a França — os medievais não tinham a mínima ideia de cronologia, não tinham nenhum escrúpulo do anacronismo —, teve que se bater em duelo singular com um gigante, Floros. 

Estava quase sendo vencido, quando Nossa Senhora apareceu, e com o forro de arminho de seu manto cobriu a cabeça do rei Artur. Os golpes do gigante pegavam no manto de arminho e não causavam mal ao rei Artur. 

O pagão, por sua vez, ficou apavorado com aquela visão, e acabou sendo derrotado. Aquela orla de arminho que temos em nosso brasão lembra esse fato.

Também aqui está o paralelismo perfeito com o direito feudal. É o senhor que se obriga a defender, a proteger, a sustentar o vassalo. O Senhor aqui é Deus. Nossa Senhora é a dama e Rainha do cavaleiro. 

Os cavaleiros franceses tinham um grito tradicional: “Nossa Senhora, velai para que eu não me torne perjuro”. Eles entregavam a Nossa Senhora sua fidelidade, sua primeira obrigação.

De fato, embora a Cavalaria não tenha existido só na França, quando se fala de Cavalaria tem-se que falar sobretudo da França, onde ela floresceu de maneira especial.

Jean de Salisbury, um bispo inglês do século XII, diz que estabeleceu-se o solene costume de que no dia em que um homem era revestido do símbolo militar, em que ele era armado cavaleiro, votasse sua pessoa ao serviço do altar e da espada, isto é, prometesse a Deus ligar-se a Ele pelo laço do serviço doméstico. 

Serviço doméstico tem aí o sentido de feudal. Quando é armado cavaleiro, o homem se liga a Deus por um laço feudal.

Há muitas outras expressões que denotam a mesma coisa. Assim, na Idade Média os cavaleiros eram chamados os homens de Deus, no sentido em que se falava dos homens do rei da França, dos homens do imperador da Alemanha, etc. 


Santa Joana d’Arc, embora mulher, 
foi uma das mais perfeitas flores da Cavalaria
Quer dizer, os vassalos, aqueles que estavam ligados ao suserano pelo vínculo feudal. Os cavaleiros eram os homens de Deus.

A Canção de Antioquia fala de “les Jésus chevaliers” — os cavaleiros de Jesus. 

E Santa Joana d’Arc — que, embora mulher e vivendo já numa época de decadência, foi uma das mais perfeitas flores da Cavalaria — levou talvez à suma perfeição a encarnação do ideal de Cavalaria. 

Na primeira entrevista que ela teve com Baudricourt em Vaucouleurs, ela se referiu a Deus com expressões tão nitidamente feudais, que Baudricourt pensou que ela se referisse a um outro senhor feudal. 

Desconfiado de uma traição, perguntou a ela: “Mas quem é o teu senhor?” Ela respondeu: “Meu senhor é Deus”. 

Ela tinha de tal forma essa noção do laço feudal para com Deus, da transposição do laço feudal para as relações entre Deus e o homem, que as expressões de que se servia davam margem a essa confusão, até mesmo para um homem experimentado na linguagem feudal, como era Baudricourt.

Sabemos também que, em sinal de submissão, havia o costume de o vassalo estender ao suserano o seu guante, sua luva de ferro. 

Na Chanson de Roland, agonizando em Roncesvales, Roland “reclame le pardon de Dieu”, estende o guante de sua mão direita e São Gabriel o recebe. 

São alguns pequenos exemplos que mostram como isso é real. A Cavalaria é o laço feudal — o regime feudal, por assim dizer — transposto às relações entre Deus e o homem.

Para resumir, poderíamos dizer que, para converter esses rudes varões semi-bárbaros (o melhor autor da Cavalaria chama-os de peles vermelhas, tão selvagens quanto os índios da América, faltando-lhes apenas o cocar e as flechas), a Igreja ofereceu-lhes o ideal cristão do soldado. 

Ofereceu-lhes um fim preciso, um código de procedimento especial, tudo isso encarnado, concretizado, revestido de forma sensível pela transposição do laço feudal para a vida sobrenatural. Isso é a Cavalaria.
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