O SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

 A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, tal como hoje é praticada, apresenta em geral, de maneira saliente, as características que a marcaram a partir das revelações de Paray‑le‑Monial, em fins do século XVII.

     Ela é fundamentalmente o culto que retribui o amor infinito de Cristo por nós. Salienta de maneira particular a importância da consagração inteira ao Salvador; contém ainda em si a determinação de reparar os ultrajes de que Ele é objeto por parte dos homens. Essa forma de piedade constitui um grande antídoto contra os erros e vícios dominantes nos últimos séculos. E por isso tem sido recomendada por numerosos Papas.

     Embora essa devoção seja hoje, infelizmente, bastante incompreendida — chegando por vezes até a ser desprezada por muitos dos que se consideram católicos atualizados  —, seu efeito restaurador da virtude, nas almas dominadas pelos vícios mais presentes em nossos dias, a faz especialmente necessária. Neste  sentido, não poderia ter maior atualidade, nem ser mais sadiamente moderna.

     O fim da era medieval produziu importantes modificações na espiritualidade católica

     Em suas manifestações em Paray‑le‑Monial não será mais o Cristo triunfante, glorioso e vencedor, da piedade medieval, que se apresentará aos fiéis para ser venerado. Nem pareceria ser o mais adequado. A heresia e o espírito de revolta haviam feito pavorosas devastações na Cristandade. A influência de Cristo nas almas diminuíra. Nos Tempos Modernos,  Nosso Senhor se apresenta a uma sociedade paganizada, que o está recusando.

     Uma foi a atmosfera pura que circundava as janelas do mosteiro beneditino de Helfta, onde viveram durante a Idade Média santa Gertrudes e santa Matilde; bem outro era o ambiente que cercava o mosteiro visitandino de Paray‑le‑Monial. O ar estava contaminado pelos germes da Renascença, do Humanismo, da Pseudo‑Reforma e do jansenismo. O Protestantismo cobria grande parte da Europa, e o espírito da Enciclopédia estava latente em muitos corações.

     O teólogo e historiador pe. L. Garriguet faz o seguinte paralelo entre os dois ciclos de devoção ao Sagrado Coração:

     "O Sagrado Coração que as virgens de Helfta [santa Gertrudes e santa Matilde] percebem nas suas piedosas horas de contemplação é um Sagrado Coração triunfante. Elas o vêem glorioso e vencedor. Alguns séculos mais tarde, a virgem de Paray [santa Margarida Maria Alacoque], à qual elas prepararam as vias, vê‑lo-á sobretudo menosprezado, abandonado, ofendido, coberto de ingratidões e de ultrajes, alvo do abandono, das friezas e do desdém dos homens."

     Pondo em relevo a importância capital das práticas de reparação e de desagravo na devoção segundo Paray‑le‑Monial, conclui o pe. Garriguet: "Em Paray, o amor e o louvor estarão tingidos de tristeza, revestirão a forma da reparação e do desagravo."

     Entre os dois ciclos de revelações do Sagrado Coração parece ter sido cometido um pecado imenso.

     Esse imenso pecado não determinaria a mudança de enfoque da devoção?

     Esse pecado imenso, como veremos adiante, é o pecado de Revolução, o processo de paganização dos costumes e laicização da vida pública, que explodiu com o Humanismo e a Renascença e provocou a ruptura da unidade católica, com o Protestantismo. E os devotos do Sagrado Coração, veremos adiante, precisam reparar de forma especial as devastações causadas pelo espírito da Revolução, e consolar especialmente o Coração Divino, com orações e boas obras para extirpar das almas os efeitos desta apostasia.

     A missão de santa Margarida Maria Alacoque

     Quando santa Margarida Maria Alacoque nasceu, em 1647, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus espalhava‑se pouco a pouco. Sua missão foi a de fazê‑la melhor conhecida, dar‑lhe um novo fim impulso, podemos dizer universal, precisar seu espírito, adaptando‑o às necessidades da Igreja nos Tempos Modernos, e fixar as práticas de piedade mais adequadas às novas circunstâncias.

     E ela foi uma simples monja de clausura, que nunca transpôs os muros de seu convento, morrendo antes dos 45 anos, em 1690. Hoje, o quadro é inteiramente diverso. A então apagada religiosa foi alçada ao ápice da glória na Igreja militante, enquanto que a imensa maioria dos homens famosos e importantes da época em que viveu é desconhecida da maior parte  de nossos contemporâneos.

     A devoção ao Sagrado Coração, que antes havia sido sobretudo mística, com pequenos ensaios no terreno da ascética católica, neste último entrou de cheio e generalizou‑se. Antes quase um privilégio de almas muito eleitas, que iam a Deus por caminhos extraordinários, tornou‑se acessível a todos, e foi compendiada num conjunto de exercícios de piedade.

     Para tornar ainda mais fácil a assimilação dessa devoção, o Salvador divino ofereceu também um modelo: santa Margarida Maria Alacoque, a "discípula bem‑amada de meu Sagrado Coração" — como a chamou Jesus. Sua espiritualidade irá marcar essa devoção.

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André Sá
   
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