Idade Média







 A maioria das pessoas (ainda) o associa a um período obscuro (‘a idade das trevas’), com a servidão de muitos e o domínio de poucos, além da clássica divisão da sociedade em Nobreza, Clero e Plebe (terceiro Estado). Isso muito se deve à propaganda e à divulgação dos ideais dos pensadores ditos "iluministas" e também a alguns protestantes. Para Regine Pernoud¹, catedrática em História pela Universidade de Sorbonne (França), especialista em Idade Média e autora de várias obras sobre o assunto, tais afirmações, que alguns autores insistem em descaradamente repetir como se fossem verdade absoluta, são simplesmente enganosas. Com a historiografia moderna, tal pecho preconceituoso começa, afinal, a ruir diante do poder dos fatos. A autora declara que a Idade Média, período que compreende desde a queda do Império Romano até o dito “Renascimento”, – algo em torno do século IV ao século XV d.C., – foi a época de maior complexidade da História, de maior riqueza de costumes. Para a compreendermos plenamente, devemos estudar não só os grandes personagens históricos, modo como se desenvolve o estudo da Antiguidade Clássica, mas também toda a rede humana que a desenvolveu, desde os pequenos camponeses até os grandes monarcas. Muitas coisas ocorridas nesses mil anos vêm sendo continuamente estudadas, provocando cada vez mais assombros naqueles que se debruçam com verdadeiro afinco na busca pela verdade.

 A organização medieval baseava-se na unidade familiar. Essa unidade natural espelhava e dava forma a toda a sociedade, que era concebida e gerida como uma grande família. Um nobre dirige trabalho no feudo: era colorida a ‘idade das trevas’ Nesse diapasão, também a família medieval possuía peculiaridades especialíssimas, configurando-se de forma muito diversa da família greco-romana, nas quais o pai, chamado “pater familias” (o pai de família), detinha como que um poder supremo sobre a esposa e os filhos, como se fossem meros objetos cuja posse lhe cabia, podendo dispor até mesmo sobre suas vidas. Muito mais natural e orgânica, a família medieval estava imbuída dos princípios ensinados pela Santa Igreja, de modo que a fé e a caridade eram tomadas como fontes sagradas de inspiração. As funções de guardião, protetor e mestre cabiam ao chefe de família. Auxiliado pela esposa, era substituído por ela em ocasiões de ausência, pois, para a sociedade medieval, a unidade familiar é maior que o indivíduo, estando o bem comum acima do bem individual. A partir desse raciocínio, a herança familiar é inalienável e estável. Sendo assim, o bem fundiário (a propriedade) deve ser herança da família e não de seus membros separadamente. Essa realidade é transplantada para a administração feudal, na qual o Rei e seus barões (que são os proprietários de feudos locais) encarnam a figura de grandes pais de família, com a obrigação de prover, alimentar e educar. A maioria dos feudos não tinha a estrutura econômica moderna baseada em trabalho/salário/capital. Pelo contrário, a grande maioria das comunidades sequer conhecia dinheiro (no sentido de numerário).

 O feudo funcionava em torno da fidelidade mútua: o senhor confiava na produção camponesa para o abastecimento de gêneros e o camponês, por sua vez, na defesa por parte de seu senhor. Assim, cada um desempenhava um papel que envolvia a responsabilidade de todos para o bem comum, tal era a essência do vínculo feudal. A fé em Cristo reveste o caráter do cavaleiro medieval A honra e a lealdade eram as bases das relações medievais que traziam em si a noção de fidelidade, por um lado, e de proteção, por outro. Exigia-se ainda mais dignidade e retidão dos membros da nobreza. O exemplo tinha necessariamente que vir de cima, pois, como dizia o ditado: “A vergonha de um dia apaga completamente a honra de quarenta anos!”. Esse tipo de sociedade somente pôde existir devido à permanente influência da Igreja Católica. Quanta diferença em relação aos dias de hoje! Dessa árvore tão frondosa somente poderia nascer um fruto maravilhoso. E esse fruto são as Ordens de Cavalaria. Qualquer homem podia fazer parte das ordens, nas quais, após o devido refinamento, seria sagrado cavaleiro. A Cavalaria, verdadeiro exército da civilização cristã, era a síntese do ideal medieval. Ao futuro cavaleiro eram exigidas qualidades precisas, dentre as quais ser piedoso, dedicado à Igreja, respeitador de suas leis. A iniciação de um cavaleiro era precedida por uma noite de vigília, passada inteira em oração diante do Altar, sobre o qual ficava sua espada. É a vigília das armas. Os deveres do cavaleiro eram: ajudar o pobre e o fraco, respeitar a mulher, mostrar-se corajoso e generoso. Era o colocar-se a si mesmo a serviço de outrem, ultrapassar-se a si próprio. A palavra cavalheiresco traduz muito bem o conjunto de qualidades que suscitavam a admiração pelas ordens de cavalaria. Dentre todos os cavaleiros, a sua mais perfeita encarnação foi D. Luís, Rei de França. Com o declínio do Império Romano e as consequentes invasões dos povos bárbaros (germânicos, visigodos, vikings, etc), o caos se instalou na Europa. Para evitar que cultura e conhecimento se perdessem em meio ao cenário de destruição e esfacelamento que se instalou, a Santa Igreja, por meio de seus religiosos, guardou em seus mosteiros muitos livros. E o que eram os mosteiros senão grandes castelos, guardiões da civilização ocidental e cristã contra a barbárie pagã? Graças aos monges medievais nossa civilização foi preservada para depois atingir seu ápice com as realizações científicas medievais. Nunca a humanidade conheceu tamanha expansão na ciência e, posteriormente, na arte. As instituições católicas promoveram os estudos, as ciências, a medicina, a matemática e a Filosofia. É pelo árduo trabalho monacal na Idade Média que hoje conhecemos os grandes pensadores da Antiguidade². Assim, permanece a Santa Igreja sendo a mãe e depositária de toda a cultura ocidental.

 A beleza medieval é refletida em todo o seu legado: nas majestosas catedrais, em seus vitrais; na riqueza das investigações filosóficas e teológicas (resgate e interpretação da filosofia grega, as Sumas teológicas e os incontáveis tratados investigativos sobre a natureza); nas tradições que ainda chegam até nós (bons costumes, jogos, festas em homenagens a santos e padroeiros etc). Vários estudos atuais afirmam que para o homem medieval a natureza (flora e fauna) era um livro escrito por Deus, tal a sabedoria com que ele conseguiu cultivá-la e apreciá-la. Esse conhecimento foi transmitido na poesia, na literatura, na música e na escultura, monumentos medievais que chegaram até nós. Tanta beleza que só um período iluminado pela Igreja poderia apresentar. Catedral de Chartres: simbolicamente, ocaso da Idade Média e o legado de uma era de Luz Para Santo Tomás de Aquino, o fim do homem é o aperfeiçoamento de sua natureza, o que só se pode cumprir em Deus. Assim, para o Doutor Angélico, a sociedade deve ajudar o homem a atingir seu fim transcendental³. Qual melhor exemplo que a Idade Média? Tão rico tema merece nossa atenção e novos artigos. Por enquanto, encerramos com as palavras do Santo Padre Leão XIII, em sua encíclica Immortale Dei: “Tempo houve em que a filosofia do evangelho governava os estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil”.

Considerações sobre a Idade Média ** Artigo do Prof. Erich Caputo, do Oratório Secular de São Filipe Neri 
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